sexta-feira, 11 de março de 2011

Autobiografia de uma desconhecida VI

6. Drama queen


Diz a acupuntura que cada ponto do corpo corresponde a uma coisa. Quando furei a orelha devo ter afetado o ponto do drama.
Da primeira vez que depilei a perna achei que fosse morrer.
Da primeira vez que fiz uma tomografia computadorizada do crânio achei que fosse morrer. Na verdade não sei, o resultado do exame ainda não saiu, mas se ninguém veio falar comigo em tom pesaroso, creio não ser nada grave.
Toda vez que sou puxada por uma correnteza acho que vou morrer.
Quando meu cachorro brigou com um vira-lata no meio da rua, achei que fosse morrer.
Esse medo é de certa forma uma constante na minha vida. Não exatamente o medo de morrer, mas o fato de acreditar estar próxima da dita cuja em vários momentos.

Agora vou me explicar.

Minha mãe vivia me dizendo para não depilar a perna, que eu não precisava, que isso era uma chateação sem fim. Como eu não queria ser a perna cabeluda do Galeguinho do Coque, não segui seus conselhos. Acontece que eu não tinha os trejeitos ou a lâmina já estava meio cega (ou ambos) e acabei usando muita força e assim, arrancando um pedaço enorme de pele. Quem já se depilou ou barbeou com lâmina sabe que o sangue simplesmente não para de brotar, nunca! Agora imagine isso em um pedaço enorme da sua perna? Perfeitamente compreensível que eu achasse que estava face a face com a morte. Se vocês soubessem como eu me arrependi de ter desobedecido a minha mãe... E só para não deixar passar em branco, foi dela que herdei o dom para o drama: quando ela começou a menstruar – vale salientar que naquele tempo não existia aula sobre o corpo humano nas escolas ou conversas sobre menstruação entre mãe e filha – passou meses chorando e lavando escondida suas roupas porque achava que estava com câncer.
Hoje fiz a minha primeira tomografia computadorizada do crânio – sempre via propagandas sobre esses exames na televisão, mas nunca achei que eu faria um – porque vinha tendo enxaquecas diárias. E enxaquecas diárias são um sintoma suficiente para se alarmar. Primeiro achei que iria morrer de claustrofobia dentro daquele tubo, mas grande foi meu alívio ao me dar conta que não era um tubo, mas apenas um aro nada claustrofóbico. A única agonia foi de ficar imóvel durante um tempo que parecia infinito. Dos males o menor. Lá estava eu, tendo meu cérebro escaneado e pensando “será que os vinte minutos que faltavam para completar as quatro horas de jejum farão diferença no resultado final do exame?” quando um rapaz sai de dentro de uma salinha – vale salientar que quem tinha entrado era lá uma moça, mas eu evitei pensar demais sobre isto – dizendo que vai mostrar os meus exames pra médica fulana de tal. Aí eu gelei. Que motivo sinistro faz com que seja preciso que ele mostre o meu cérebro pra médica fulana de tal? Não é só fotografar e imprimir? Depois de me informar sobre isto, ele saiu da sala e eu comecei a pensar em como eu ficaria careca, se eu ficaria com sequelas e juro que eu tive que me controlar pra não começar a chorar ali mesmo. Aí o rapaz que apareceu no lugar da moça voltou com um papelzinho mandando eu voltar dia dezesseis pra pegar o resultado. Como assim voltar dia dezesseis? Eu não tô com uma toranja – pra quem não sabe, toranja é o nome em português de grapefruit, de nada – no meio do meu cérebro? Anjos desceram dos céus e tocaram harpa pra mim nesse momento.
E quanto ao medo das correntezas, vocês também não se imaginam sendo arrastados para o meio do mar, perdendo as forças pra voltar pra terra e acabar morrendo afogados? Ah, vai, eu nem sou tão dramática assim!