quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Até a última ponta

Tá tudo muito louco ou eu é que tô muito louco?

Estou monotemática. É o que tenho repetido há dois dias. Novembro de 2025 e eu fui ao show da turnê que marca o encerramento do Planet Hemp, banda criada em 1993 no Rio de Janeiro por Marcelo D2 e Skunk, que contou ainda com Rafael Crespo, Bacalhau e Formigão na sua formação inicial. Eu gostaria de discorrer minuciosamente sobre o que vi no show, mas esse texto ficaria enorme. Foi tudo muito rico e cuidadosamente produzido. À altura da história e importância da banda. É provável que outras pessoas, inclusive mais qualificadas do que eu para isso, já o tenham feito. Estou aqui para falar de história e sentimentos. Então vamos em frente com esse pequeno esclarecimento feito: o show "A Última Ponta" é foda. Mas nos próximos parágrafos vocês verão que talvez eu não seja uma narradora muito confiável.

Minha história com a banda começa uns 30 anos antes, ainda nos primeiros anos deles, e eu nem sabia. Mas vamos deixar isso para mais adiante. Em 1997 seus integrantes foram presos, acusados de fazerem apologia às drogas e como um efeito Barbara Streisand, se tornaram ainda mais conhecidos nacionalmente. Provavelmente foi nessa época que eu soube quem eram. Comecei a ouvir, gostar muito do que ouvia e por volta do ano 2000, quando eu tinha meus 15 anos, aconteceu um dos fins de semana mais marcantes da minha adolescência. 

O Cabo Branco, clube social e esportivo fundado em 1915 e localizado no Miramar, bairro onde morei a vida inteira, recebeu Charlie Brown Jr. na sexta-feira e Planet Hemp no sábado, duas das bandas mais ouvidas entre os meus amigos. Na sexta estava quase todo mundo que eu conhecia. Devo dizer que aproveitamos bem da liberdade que ainda existia (não oficialmente) para adolescentes naquela época. Mas no sábado, menores de idade frequentando show de banda que falava de maconha? Aí era para poucos que tinham a sorte de vir de um lar com valores diferentes dos defendidos pela "família tradicional brasileira". Ou para os rebeldes, que davam seu jeito de ir de qualquer jeito.

Os shows aconteceram numa quadra de futsal/vôlei/basquete e houve um momento que ficou vividamente marcado na minha memória. Quando tocou a primeira música, uma das preferidas do público, que explode no refrão ao ser cantado "D2! Mas mantenha o respeito!", eu estava lá, bem na frente, no meio de homens bem maiores do que eu. Começamos, todos nós, a pular e eu, logo caí lá no meio de todos eles, que prontamente me ajudaram a levantar, mas foi o suficiente para me encher de medo de estar em ambientes onde a dança fosse um pouco mais agressiva (o que é diferente de violenta).

Continuei curtindo, só um pouco mais acanhada, lá atrás. Mas não era um ambiente muito grande então dava pra ver e ouvir muito bem de qualquer lugar. Foi um ótimo show, gostei muito de ter ido. Mas esse momento me marcou e, mesmo frequentadora de inúmeros shows de punk rock, nunca tive coragem de entrar numa roda de pogo. Queria, mas não ousava. Minhas amigas iam e eu ficava. Tinha medo de cair. Nunca mais assisti a um show do Planet Hemp em João Pessoa, a cidade nunca foi rota de grandes shows. Então a banda encerrou as atividades.

Em conversas com a família e amigos, de vez em quando lembramos do meu irmão, Rodrigo Rocha, falecido em agosto de 1996 aos 26 anos, e dos trabalhos que realizou em seu curto período de vida. Ele era muito ligado à música (seu TCC do curso de Comunicação foi o documentário "Rock em João Pessoa") e além da coluna "Canal Zero", onde escrevia sobre música para o jornal O Norte, também produziu shows no bar Portal das Cores, entre eles várias bandas do movimento manguebeat e o Planet Hemp.

Ao me contarem essa história, disseram que não conseguiram hospedar a banda em nenhum hotel porque eles tinham acabado de ser presos e nenhum estabelecimento queria recebê-los, mas ao ver a cronologia dos fatos percebo que as informações devem ter se misturado com o tempo. O fato é que, no fim das contas, a banda se hospedou à beira-mar numa casa de amigos e até a minha mãe trabalhou nesse evento, ficando responsável pela bilheteria. Eu, infelizmente, com 10 ou menos anos, não participei da festa.

Aí, em 2022, o álbum "Jardineiros" é lançado. Maravilhosamente fiel a tudo que foi feito anteriormente, atual como sempre. E em 2025, "A Última Ponta". Dessa vez a banda ia acabar mesmo, com direito a turnê de despedida e tudo mais. Combinei com um casal de amigos e compramos os ingressos. Era a nossa última chance, não dava pra perder. Mas a poucos dias, um anúncio: o show seria adiado. A gente ainda teria que esperar mais.

E enfim, chegou o dia 8 de novembro. Viajamos de João Pessoa a Recife, nos hospedamos em Olinda e chegamos cedinho no Classic Hall, a tempo de assistir Nação Zumbi com seu show de comemoração dos 30 anos do álbum "Da lama aos caos" desde o início. Nesse meio tempo entre uma data e outra entrei em contato com Daniel Ganjaman, produtor musical, integrante do Planet Hemp e ouvinte do MIDCast (podcast sobre política nacional do qual eu participo). Aproveitei da minha microinfluência como subcelebridade da internet para conhecer alguém que admiro? Sim. Conversamos rapidamente, pois eles estavam na correria do show, e o presenteei com um boné com a ilustração que fiz do trecho de uma música de Rage Against The Machine: I'm calm like a bomb. E quando começou o show, não é que ele estava usando o boné? Vixe, eu fiquei feliz demais.

Estava todo mundo ansioso, doido pra descarregar completamente as energias durante algumas horas. Nos primeiros acordes já tinha gente pulando e formando roda, entramos logo nela. Mas eu, entrei numa roda? Em 2023 eu entrei na academia. Em 2024 conheci o carnaval de Salvador, suas pipocas e entrei nas rodas do Navio Pirata com Baiana System e ainda no final do mesmo ano entrei na roda de pogo de um pequeno show de punk rock em João Pessoa. Esse foi o caminho que percorri, muitos anos depois de finda a minha adolescência. Caminhos abertos para que eu pudesse aproveitar esse show como merecia.

O show inteiro foi impecável, e terminou no seu ápice, ironicamente, com a mesma música que iniciou a apresentação no Clube Cabo Branco: "Mantenha o respeito". Não sei se era eu, se era a roda, acho que os dois, mas parece que a gente queria aproveitar aqueles últimos minutos como o que realmente eram: os últimos. Depois disso acabou. Então corremos como se pudéssemos nos agarrar ao tempo, em uma roda tão veloz que a gente se sentiu voar. Vinte e cinco anos depois, não tinha quem me derrubasse. Talvez apenas a saudade.