É a primeira vez que eu piso em um lugar assim. Meu pés afundam e o meu corpo está leve, como se alguém me levasse no colo. É bom, me sinto confortável. Mas dá um pouco de medo, como se eu estivesse prestes a ser sugada a qualquer momento. Ouvi dizer que o mar puxa a gente de vez em quando. Sempre tive medo do mar. Correnteza, caravela, tubarão, ouriço... Motivos nunca faltaram. Deve ser coisa de menina que cresceu longe disso tudo, meus amigos não parecem estar nem aí.
Tenho uma certa dificuldade para boiar. Apesar de flutuar com mais facilidade na água salgada, as ondas do mar sempre me fazem engasgar quando entram na minha boca e nariz. Queria relaxar que nem as mulheres dos filmes e ficar um tempão boiando, até cansar. Deixa pra lá, esse negócio de pegar muito sol acaba dando câncer de pele, acho que vou sair.
Eu e meus amigos encontramos uma sombra legal na praia, ótima pra fazer a nossa farofa. Eu trouxe o galeto, teve gente que trouxe cerveja, sanduíche, água... Estamos bem servidos para a tarde toda. Saí do mar e fui logo procurando um lanche.
- Posso pegar?
- Claro, fica à vontade. - respondeu meu amigo que tinha levado os sanduíches.
Entre uma mordida e outra observei o resto do pessoal. Tinha gente no mar, gente se bronzeando e até quem levou uma bola pra jogar futebol. Gosto de futebol, mas não gostei quando quase atingiram minha cara, reclamei, pediram desculpas, segue o jogo, literalmente. Lá longe, caminhando na direção do maceió, um dos meus amigos parecia pensativo. A penny for your thoughts.
Ele estava distante o passeio inteiro, mas não tive coragem de perguntar pra ninguém o que tinha acontecido. Vai ver é um coração partido. Ou a perda de alguém querido. Quem sabe como ele havia se ferido. Mas havia algo errado. Vou lá ver o que foi? Não, deixa quieto.
Aqui anoitece cedo, logo estava escuro. Acendemos uma fogueira na areia e do nada brotou um violão. Parece que teremos um luau. Nada contra, talvez apenas a lista de músicas escolhidas. Legião Urbana, Kid Abelha, Biquíni Cavadão, Engenheiros do Havaí, toda uma gama de pop-rock do milênio passado. Olhei pra cara do meu amigo pensativo e ele parecia estar se divertindo. Na verdade parecia que todo mundo estava se divertindo. Vai ver só eu não gostava de pop-rock.
Resolvi me afastar. Caminhar um pouco, olhar as estrelas. Na cidade a gente não vê mais estrelas, o céu está muito claro, mas aqui nessa praia distante consigo ver até a Via Láctea. Fico besta olhando pro céu. Que pena que a gente não tem a oportunidade de vê-la com mais frequência. Ouço passos atrás de mim, me viro e vejo Irene.
- Amiga, tá fazendo o que aqui?
- Tava a fim de caminhar. Olha que lindo esse céu.
- É... Bora voltar?
- Vou ficar aqui mais um pouco.
- Mas você tá bem?
- Tô sim.
Ela voltou pro luau na fogueira. Eu menti pra ela. Eu não estava nada bem. Não sei o que houve, mas de repente uma angústia se apossou de mim. Deitei na areia da praia e continuei olhando pro céu. Nada parecia se mexer. Aos poucos eu sentia como se o meu corpo e o negro céu noturno estivéssemos nos fundindo em uma coisa só. Minha pele se dissipava e ao se desfazer eu olhava pra dentro de mim. Estrelas brilhavam em meio a nuvens de poeira. O Universo era eu. De repente tudo se desfez. A angústia inexplicável, o desgosto pelo pop-rock ao violão, o medo do mar. Eu estava em paz.
Antes mesmo de abrir os olhos pude perceber que já era dia. Na verdade amanhecer. Que sorte. Que espetáculo. Uma mistura de cor-de-laranja, cor-de-rosa, branco e azul no céu é a primeira coisa que vejo ao acordar. Ao longe meus amigos estão adormecidos ao redor das cinzas da fogueira. Viro-me para o outro lado e vejo que há alguém. Meu amigo pensativo. Sorrio. Será que ele estava em paz também? Será que encontramos uma fenda no universo que permite que todos os corações angustiados se curem num passe de mágica? Ele abriu os olhos e sorriu ao me ver acordada.
- Dormiu bem? - perguntei.
- Bem demais.
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