Lembro-me da minha infância, quando meu pai me contava dos amigos dele na Inglaterra que perguntavam a ele se caçávamos cobras aqui no Brasil. Eu e meu pai sempre ríamos dessa história, considerando-a absurda. Ao ver aquela cobra espragatada no asfalto senti como se todos os ingleses rissem de mim. A sensação de angústia remeteu-me novamente à lembrança do homem da cabeça chata e do seu cordel. Seus primeiros versos diziam:
Neste grande mundo cão
Quem não é grã-fino sofre
Do diabo come o pão
De centavo pinga o cofre
É difícil ter um irmão
Que não seja do enxofre
Quem quer melhorar de vida
Quer dar o melhor pra família
Desce pra terra querida
Sem dinheiro nem mobília
Espera que sua ida
Seja aquela maravilha
É no sul que nordestino
Dá-se conta da verdade
Norte velho ou sul menino
Pobre sofre a eternidade
Os moleque sempre fino
Buxo d’água não se evade
Melhor era no nordeste
Onde era tudo irmão
Calango matava fome
Calango era a salvação
Mas a infelicidade consome
Sertanejo no sudeste
Como uma jovem que sempre morou em uma capital litorânea do nordeste, aqueles versos me irritaram profundamente. Tive a impressão de que haviam sido feitos por algum jornalista da Globo. Mas por que aquele homem teria me entregado aquele folheto? Comecei a desconfiar que ele quisesse a minha participação em algum grupo militante.
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