- Leu?
- Li sim. Por que você me deu isso?
- Isso você vai saber no tempo certo.
- Tempo certo?
- Pare de fazer perguntas e me escute.
Eu calei a boca e esperei que ele começasse a falar. Esperei muito. Comecei a desconfiar da rapidez do pensamento dele. Virei o rosto para poder vê-lo melhor e percebi que tinha marcas de sol e do boné. Talvez o excesso de sol na cuca tenha danificado a capacidade de raciocínio do homem.
- Você concorda com o que o poema diz?
- Não. Por que você deu este poema a mim? Eu nem gosto de ler poemas.
- Isso não vem ao caso.
- O que espera de mim? Que eu analise o texto? Olha, eu faço Letras, mas não sou a pessoa mais indicada para isso, se quiser posso te indicar algum colega meu...
- Cala a boca e escuta.
Suspeitei que ele me obrigasse a ouvir o silêncio dele novamente, mas começou a falar logo em seguida:
- Você não concorda com o poema, então? Você não acha que o nordestino é injustiçado no sul e no sudeste?
- Olha, se você quer discutir política comigo poderia ao menos escolher um lugar menos perigoso.
- Eu não quero discutir política com você. Quero que você me ajude.
- Eu? Por que eu? Eu sou tãaaaao egoísta...
- Não é não.
- Desde quando você me conhece melhor que eu mesma?
- Desde que eu passei a pesquisar a sua vida.
- Você tem me perseguido? Eu vou ser seqüestrada?
- Não, idiota.
Fazia muito tempo que alguém não me chamava de idiota. Isso doeu.
- Você tem que me ajudar a levar o calango pro sul.
- Se eu sou idiota, você é doente.
- Você é idiota e não me conhece. Eu te conheço.
- Pra que você quer a ajuda de uma idiota, então?
- Para que você se comunique com os outros idiotas.
- Cara, eu te odeio tanto... – ele ignorou o meu comentário e continuou a falar no mesmo tom de sempre.
- Eu vou te mandar pra lá e você vai ser a encarregada do calango.
- Encarregada do calango? – não consegui conter o riso – Onde eu estou? Em algum fanzine de terceira?
- Idiota. Volte para casa agora. Você vai receber um e-mail com todas as informações que precisa.
- Você pode ao menos me dar uma carona na sua carroça? Já está tarde, fica meio perigoso voltar sozinha.
- Não.
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